Durante o meu percurso académico, o grande foco de ensino e aprendizagem foi: o que é esperado em cada fase do desenvolvimento, de onde vêm as dificuldades de cada criança, como é feita uma avaliação, que técnicas e estratégias devem ser utilizadas em cada intervenção, quais os modelos a seguir…No entanto, com a prática clínica, parece-me que se esqueceram de uma coisa UM BOCADINHO importante:
Como construir uma relação genuína com a criança que temos à nossa frente.

Quando converso com amigos que estão a pensar “ir ao psicólogo”, o maior medo que surge é: “será que vou gostar do/a psicólogo/a?”, “será que me vou sentir confortável?”, “será que ele/a vai compreender o que estou a sentir?”...
Enquanto adultos, escolhemos iniciar este processo, por livre e espontânea vontade (por vezes, por incentivo de amigos, mas a decisão de iniciar, manter e terminar é sempre nossa). Vamos aprendendo a gerir as características que apreciamos ou não no terapeuta que nos acompanha, somos capazes também de devolver claramente o que sentimos e colaboramos na definição da melhor dinâmica para o processo.
Por outro lado, com as crianças e os adolescentes, a terapia muitas vezes não é voluntária. Somos nós, psicólogos, pais, professores ou outros técnicos, que os encaminhamos para este acompanhamento, e somos também os responsáveis por determinar a frequência, os horários e as faltas. Somos nós quem define os objetivos da intervenção e o que consideramos prioritário. No meio de um processo controlado pelos adultos, onde cabe a opinião da criança?
Muitas das crianças e adolescentes que acompanho, estão em terapia precisamente por dificuldades no relacionamento - seja com os pais, professores ou pares. Sentem que não são ouvidas, não são escolhidas para os jogos, são avaliadas e castigadas pelos comportamentos e não confiam nos outros porque acham que “ninguém ajuda”... Neste contexto, uma relação terapêutica de confiança, segurança e, essencialmente, afetuosa é, em si mesma, reparadora para a criança. E este é um ponto essencial para o impacto da intervenção.
Sabemos, no entanto, que o desenvolvimento de uma relação demora o seu tempo e que cada criança precisa do seu tempo para se sentir confortável. “Será que o/a psicólogo/a vai contar aos meus pais?”, “O que será que vai dizer se eu lhe contar o que fiz na escola?”, “Será que gosta de mim tanto como gosta das outras crianças?”, “Ups, estraguei isto, e agora? Será que vai ralhar comigo?” - acredito que estes são muitos dos pensamentos que passam pelas suas cabeças no início da relação. Por isso, este vínculo deve ser criado com cuidado e respeito.
A forma como essa relação se estabelece depende das características de cada criança. Crianças com perturbações de externalização (associadas ao comportamento e gestão da frustração) podem demonstrar menor concordância e colaboração com as tarefas propostas, exigindo do terapeuta mais paciência, tempo e flexibilidade para ir ao encontro dos seus interesses. Crianças com perturbações de internalização (associadas a sentimentos de ansiedade, baixa autoestima, tristeza), tendem a ser mais recetivas ao acompanhamento e à relação terapêutica, devido ao desconforto emocional e à baixa probabilidade de apresentarem problemas com as figuras que veem como sendo “de autoridade”. Por outro lado, podem precisar de um acolhimento emocional ainda mais presente, em que se sintam seguras para se expressar sem medo de julgamento.
Para além da relação entre um terapeuta e a criança, a relação entre o terapeuta e os pais é essencial para o sucesso da intervenção. São eles que levam os filhos ao consultório e que dão continuidade às linhas orientadoras e às atividades terapêuticas sugeridas para o dia a dia. Além destas, temos ainda a relação com os avós, os professores, os pediatras e pedopsiquiatras e, quando o acompanhamento é feito em contexto escolar, acrescem ainda as relações com os amigos e colegas. Cada criança traz consigo um conjunto de ligações e relações importantes de estabelecer.
Cada relação é única e, como tal, é muitas vezes o ponto de partida para a transformação e para o progresso terapêutico.
Palavras-chave: relação terapêutica; confiança; respeito; afetiva
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