A linha que (não) separa os pais e os filhos.
- Luísa Cerqueira

- 20 de out.
- 5 min de leitura
Todos os pais já se perguntaram se estão a fazer o suficiente. Se estão a responder da melhor forma às necessidades dos seus filhos. E a verdade é que a forma como os adultos interagem com as crianças, molda a forma como elas vêem o mundo e lidam com os acontecimentos diários.

Quando existe uma preocupação sobre a sensibilidade da criança em relação a situações de mudança, de separação ou a desafios do dia a dia, o pedido que é feito à/ao psicóloga(o) é, muitas vezes, que defina algumas estratégias práticas para esses momentos mais desafiantes.
Essas estratégias são importantes e muitas vezes necessárias para reduzir o stress atual da criança. No entanto, em muitos casos, esta sensibilidade está presente quando está também presente o medo do abandono. E, nesse caso, as estratégias não são suficientes, apesar de mudarem o comportamento.
É, por isso, importante olharmos para a segurança da vinculação. A vinculação é a ligação emocional que se forma entre uma pessoa e as suas figuras primárias - de quem dependemos nos primeiros anos de vida - é a linha que (não) separa os pais e os filhos.
Quando um bebé nasce, vem “equipado” com uma “mala de ferramentas” que o ajuda a atrair a atenção das pessoas mais importantes para ele - figuras primárias que, na maior parte dos casos, são os seus pais. Estas ferramentas são, no fundo, os comportamentos da criança que ajudam os adultos a perceber o que a criança precisa naquele momento. Alguns desses comportamentos são agradáveis e captam a atenção necessária de uma forma positiva (o sorriso, o contacto ocular, a imitação de sons, a imitação de gestos e de comportamentos, etc.), outros nem tanto (o choro, atirar objetos, bater, as “birras”, etc.).
As respostas que as figuras primárias dão perante estes comportamentos, principalmente durante os primeiros anos de vida, levam ao desenvolvimento de padrões de vinculação. Estes padrões, ao longo do crescimento, levam ao desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento, isto é: a forma como olhamos para nós próprios, como entendemos as interações com os outros, as expectativas que temos em relação a nós e aos outros, … De uma forma geral, tem impacto no nosso discurso interno e na forma como vemos o mundo.
Em termos práticos (e dando apenas um exemplo), se o nosso discurso interno (aquilo que dizemos a nós próprios) perante uma dificuldade for “desta vez não consegui, mas vou tentar outra vez”, ou “vou estudar mais sobre este assunto, para perceber melhor”, é natural que a nossa motivação para ultrapassar os desafios se mantenha e a confiança que temos em nós não está dependente do erro, mas sim da perseverança. Por outro lado, caso o nosso discurso interno seja “nunca consigo fazer nada sozinho”, “não vale a pena tentar outra vez, não consigo”, vamos desistir e consequentemente, continuar a acreditar que não somos capazes.
Quando existe um padrão de vinculação segura, a criança mostra-se confiante em explorar os espaços, interessada em partilhar os seus momentos de brincadeira com os outros, sente-se segura e por isso não procura uma constante aprovação do outro, mostra-se persistente para chegar aos seus objetivos, mas também pede ajuda de forma clara e aproxima-se das suas figuras primárias quando sente essa necessidade. Relacionando com o exemplo dado acima, estas experiências ajudam a criança a desenvolver um discurso interno associado a sentimentos de auto confiança e auto competência, entre outras coisas.
Então, o que é sugerido para que uma vinculação seja suficientemente segura?
1. Permita a exploração e a autonomia. Deixe que a criança explore o ambiente e descubra o mundo à sua volta. Permita que a criança se sinta segura com ela própria, que ganhe confiança para se afastar e experimentar coisas novas, com a segurança de que pode voltar quando precisar. Permita que ela faça descobertas através da experiência, sempre que for seguro.
2. Ajude apenas quando for necessário. Apoie a criança sempre e apenas quando houver uma dificuldade real ou um pedido de ajuda. Quando intervém apenas o suficiente, está a mostrar-lhe que acredita nas suas capacidades e isso reforça a sua autonomia e autoconfiança (“se os meus pais acreditam em mim, eu também acredito”).
3. Mostre proteção sem impedir as emoções. Mostre que está presente e que a criança está protegida, mesmo perante emoções mais difíceis. Não tente evitar o choro, a frustração ou a zanga, ajude-a a atravessar esses momentos. A segurança emocional nasce da certeza de que pode sentir e continua a ser aceite.
4. Seja um detetive dos comportamentos. Por trás de cada comportamento há um pensamento e uma emoção. Pergunte-se: o que a fez atirar os brinquedos? O que a deixou triste, zangada ou assustada? Como pode ajudá-la a lidar com essas emoções? (Os castigos podem acabar com o comportamento, mas o que ensina sobre as emoções?).
5. Defina limites claros e consistentes. As regras dão segurança e transmitem responsabilidade. Estabeleça limites explícitos e coerentes e seja o modelo dessas regras no dia a dia. As crianças aprendem muito mais com o que os adultos fazem do que com o que dizem.
6. Mostre amor incondicional. Deixe claro, em palavras e gestos, que a criança é amada independentemente do comportamento. A criança é amada mesmo quando o comportamento é repreendido. (“Eu gosto muito de ti! Não gosto do que fizeste agora”).
7. Mostre interesse genuíno. Pergunte, ouça e valorize as ideias, os pensamentos e as emoções da criança, mesmo quando não fazem sentido para si, ou parecem “exageradas”. O interesse e a escuta validam a experiência emocional da criança e fortalecem a relação.
8. Pratique a escuta empática. Repita o que ouviu da criança, mostrando que compreende o que ela sente. Este tipo de resposta ajuda a criança a sentir-se vista e compreendida. (“Percebo que estás triste porque queres continuar a brincar e sabes que está na hora de ir para a cama”).
9. Ofereça oportunidades de escolha. Dar pequenas escolhas no dia a dia ajuda a desenvolver o sentido de responsabilidade e a sensação de controlo. Assim, a criança sente que tem voz nas decisões que a envolvem.
10. Utilize momentos de co-regulação. Nos momentos de maior tensão, ajude a criança a acalmar-se enquanto se mantém presente: abrande a respiração, mantenha o contacto visual, ofereça um abraço ou dê a mão. A sua calma ajuda a criança a reencontrar a dela.
Estas sugestões passam, fundamentalmente, por confiar na criança que temos à nossa frente. E todas elas implicam que os adultos estejam também conscientes das suas emoções e, principalmente, da interpretação que fazem do que as crianças dizem. É natural que, se perante a frustração da criança (“não quero tomar banho”), também nos sentirmos frustrados (“é sempre a mesma coisa todos os dias”), não vamos estar preparados para nos conectarmos com ela e para a ajudarmos naquele momento.
Para além disso, durante a sua infância muitos adultos tiveram também padrões de vinculação inseguros ou desorganizados. Isto significa que os seus padrões de funcionamento interno dificultam a confiança em si mesmos e na criança que têm ao seu cuidado. Por isso mesmo, o foco nos padrões de vinculação não passa por estratégias práticas definidas para um determinado momento, nem pela aplicação destas sugestões “para ver se funciona”. Passa sim pelo autoconhecimento e confiança dos adultos e pela intenção de educar crianças seguras de si próprias.
Palavras-chave: vinculação; relação; parentalidade; pais e filhos; confiança; autonomia.




Comentários